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Após uma fatalidade, o cântaro de um pássaro parece tolo, pois não havia sentido para tal ato. Enquanto isso a vida e a morte pareciam uma anáfora dizendo: "-É meu!". Cada qual lutava por minha alma, sem concórdia, seguiam sua disputa. A morte muito inconveniente, então disse para a vida: "-Tome um chá de carqueja comigo, pois tamanha doçura está te deixando cega." Enquanto a vida implorava por uma segunda chance, já com pigarro na garganta, a morte seguia usando a sua ironia.
Enquanto elas discutiam, o meu tempo só aumentava, eu já não era mais o mesmo e eu sabia o meu final. Deixei as duas na porta do meu quarto no hospital, junto a minha família, que chorava, pois todos sabíamos que a morte venceria. Fui ao jardim, sentei-me em um banco e analisei cada detalhe daquele local, nunca tive tempo para isso. O pássaro que cantarolava, já havia voado dali, simplesmente havia uma bela árvore grande com frutas pequenas, que me chamou a atenção, eram pupunhas.
Aliás à espera da morte deixa tudo diferente e mais lindo; ou pode-se considerar a hipótese de eu ter vivido em um modo automático, que nunca reparei na vida. Talvez, aquela discussão fosse obtusa, visto que eu não sabia o que era viver há muito tempo. Eu só estava aguardando o final daquela discussão, nem na morte temos paz? Compreendo a vida, porém estava na minha hora e ela deveria lutar por outras almas, uma vez que eu não soube aproveitar cada minuto do meu tempo, que era enquanto eu tinha ar em meus pulmões e meu coração batia, sem a ajuda de aparelhos.
Eis que a morte saiu pela porta de onde eu havia passado, sabia que meu prazo era curto. Ela me olhou e falou:
-Estava fugindo de mim? Entretanto o encontrei e sempre o encontrarei.
-Nunca fugi de nada, já sabia o meu final. Podemos ir?
-Por que você não se importa com a sua vida ou não está chorando?
-Eu não soube aproveitar a minha vida. Em ocasiões especiais, eu estava no trabalho ou em bares bebendo, perdi a primeira palavra da minha filha; não estava lá em seus primeiros passos; quando meus amigos e familiares faleciam, eu simplesmente mandava uma linda coroa de flores, nem ia, pois eu estava ocupado; eu perdi todas as formaturas da minha esposa e de meus filhos; nas férias eu ficava no quarto trabalhando, ao invés de aproveitar a minha família; não apreciei os melhores momentos da minha vida. Então me diga, eu realmente não mereço partir e deixar outros vivendo realmente e não apenas ocupando espaço, Dona Morte?
-Sobre a vida desconheço, o passado você não pode mudar realmente, porém você teve tempo para refletir sobre a sua passagem aqui e pode mudá-la. Eu melhor do que ninguém compreendo como é não ter vida, ou você pensa que gosto de ser odiada e temida por todos? Porém alguém deveria fazer esse papel, é fácil ser bom; mas é horrível não ter a opção de deixar de ser mal. Não entendo o porquê dessa minha escolha, porém irei abrir uma exceção.
Naquele momento ele abriu os olhos e toda sua família comemorou, já ia me esquecendo, agora eu, a morte, narrarei neste momento. Visto que ele não lembrará sobre o nosso dialogo, ele só terá em mente como um sonho, será um sonho daqueles que você não lembra exatamente como foi, apenas sabe que sonhou. Ele realmente se encontrou e dialogou com a morte. A vida é como um alcaçuz, enquanto eu, sou somente um chocolate amargo. Todos festejavam e agradeciam a Deus, por pensarem que aquele momento era um milagre, mas eu prefiro defini-lo como o dia em que a morte foi piedosa.