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Água

Desde pequena, eu detesto água e sentia muito medo do mar. Nas fotos de infância, eu sempre apareço chorando e no dia queria ficar o mais longe possível. A imensidão e aquelas ondas são assustadoras, principalmente para uma garotinha, eu nunca queria entrar, mas a minha vó adorava me arrastar pelo braço, ela deixava mais assustador ainda, ela tomava cada caldinho e caia frequentemente me levando junto com ela. Para piorar o meu pai pegava da minha mão e me arrastava para dentro, sinceramente acredito que ele esquecia que eu estava ali (contra a minha vontade), eu só queria ir para a terra firme novamente, eu chorava e gritava até eles desistirem desse plano maluco. Quando a minha vó morava do outro lado da lagoa e a gente precisava atravessar de lancha, eu sentia receio de atravessar, mesmo com coletes salva vidas, porém o balanço e ondas agitadas me faziam rezar fervorosamente para não morrer (ainda tinha fé), não sentia segurança alguma naquilo e nem que aqueles coletes me fariam boiar (e sempre torcia para não precisar fazer o teste). Eu sentia tanto medo de tubarões e predadores do tipo, o que piorava mais ainda o meu medo, meu pai tentava me entreter com barcos, navios e animais; até funcionava um pouco, exceto quando eu ia na parte baixa, onde via as ondas batendo na janela ou entrando pelo vidro quebrado, parecia que ia afundar aquela merda. No entanto, era gratificante depois pisar em terra firme, então não era somente as praias que me aterrorizavam, os mariscos e a areia molhada me faziam sentir medo de atolar e sentia cosquinhas no pé com aqueles bichos.

Eu pouco ligava para o meu chinelo, se ia mar a dentro ou arrebentar, eu só queria não entrar em contato com o chão e todo mundo me achava uma maluca fiasquenta, preferia uma injeção do que entrar em um lugar daqueles, sentia que aquela imensidão iria me engolir. Eu sempre era puxada para dentro do mar, a correnteza começava repentinamente e eu era puxada, aprendi com o meu pai que eu deve enfrentar a correnteza e as ondas de lado, nunca deixar ela se quebrar na frente ou atrás do meu corpo, e funcionou quando enfrentei os meus medos após muitos anos depois. A minha mãe também tinha medo e se esforçava muito para ir no raso, todavia a minha família é a pior correnteza e eu entendia o medo dela, embora ela tentasse me defender daqueles que menosprezam os meus medos até hoje. Não gostava nem da água batendo nos meus pés, queria uma certa distância e a sujeira na água também me assustava, até quando eu não sabia o que era coliformes e a sujeira espalhada no mar. A minha mãe costumava me convidar para caminhar na beira da praia e insistia para sentir a água nos meus pés, eu pulava das ondas e das pequenas valetas criadas pela correnteza para não pisar na água. Eu usava chinelo para não fazer mais fiasco, para não pisar em nada, os siris eram aos montes também e eu morria de medo de ser pega por esses bichos. Não nasci para ser piranha, nem para comer aqueles seres e me dava agonia de segurar qualquer bichinho daqueles para a minha vó levar para casa. Enquanto, eu e a minha mãe ficava juntando conchas para passar o tempo, por algumas conchas serem diferentes e pela diferença de tamanho, adorava trazer elas para casa e deixar elas nas estantes, eu ficava impressionada pela beleza natural, que fazia o sal da água, além de dizerem que eu poderia ouvir o barulho do mar nas conchas, eu achava fascinante essa história e acreditava, até a internet me tirar isso.

Nunca bebi água, me dá náuseas e ânsia de vômito, desde pequena não bebo e nunca vou conseguir tomar. Nunca vou esquecer do meu primeiro desfile escolar de 07/09, eu quase desmaiei de sede e calor, tentaram me fazer beber água, até o meu pai me salvar com um refrigerante bem gelado para eu tomar naquele sol escaldante, que eu deveria usar roupa branca, mas a minha blusa de baixo do meu blusão não era da cor certa e se bobear era um pijama. Não gosto de praia e nem de beber água, com sabor até vai, mas não faz uma diferença significativa em comparação ao refrigerante, eu nunca vi sentido em me forçar a fazer algo para prolongar a minha aflição de ingerir e fazer coisas que não gosto para talvez ter um bem estar nada garantido e certo, ou prolongar a minha vida. Com o passar do tempo passei a me forçar a superar esse meu medo de banho de praia, assim como superei a travessia de lancha (na minha infância) e tentei me sentir menos em pânico ali. Atualmente os coletes são trancados com chaves ou cadeados em uma lancha com quase 200 pessoas. Já basta, às vezes, que eu quase me afoguei na praia, mesmo eu sendo alta, quando a maré vira, ninguém está salvo e preciso lutar pela minha vida. Não entendo como alguém pode amar aquilo, o meu irmão era o oposto meu, ele era parecido com o meu pai nisso. Me sinto mais segura em uma piscina, que posso relaxar e sai tudo conforme os meus planos. Existe uma praia em uma ilha no interior da minha cidade, que a água é limpinha, sem ondas, posso ver os peixinhos nadando e me sinto tranquila para aproveitar, para me refrescar em um dia quente, mas só eu adoro aquele lugar e nem parece existir de fato na minha cidade, pois não tem quase nada atrativo, impressionante não existir algum faturamento da prefeitura.

É difícil lutar contra o seu próprio trauma, que te faz travar ou surtar por algo que parece bobo para o restante. Desde que comecei com a idealização suicida, eu fico parada olhando para água tentando imaginar como deve ser morrer afogada, meus pulmões pedindo ar e meu corpo ser preenchido com água até você desmaiar e morrer. Imagino, eu me afogando e a paz de espírito que eu sentiria em dar um fim em tudo, me libertaria, ou com a sorte que tenho eu viraria uma piranha ou sereia para complicar mais ainda. O suicida sofre até para morrer e ainda querem mais penitência para pessoas atormentadas e dispostas a tudo, sem nada a perder ou ganhar. Às vezes, de tanto olhar e me questionar, eu sinto um desejo de pular, não sei nadar e iria direto para o fundo, sem volta e arrependimento não me faria ser salva. As lágrimas escorrem pela confusão que sinto, eu sempre senti tanto medo, meu medo não era morrer de sede, era de ter só água para eu beber e mais nada. Pior do que andar de lancha, era atravessar na barca que leva carros, motos e caminhões; aquilo parecia uma eternidade e não andar, principalmente comigo presa dentro de um carro, que não dava nem para a abrir a porta para ficar do lado de fora um pouco e dá mais agonia ainda. Não existia Rivotril na minha vida ainda, eu precisava lidar com tudo isso sozinha e todos ficavam menosprezando o meu pânico. Cresci no litoral, odiando praia e todo resto relacionado; eu tenho muito medo de tsunami, mesmo não havendo aqui e simplesmente não teria para onde correr, parece que moro em uma ilha e é quase uma, não vejo a hora de ir embora daqui de preferência para um lugar alto de preferência, que os meus longos banhos sejam apenas de chuveiro.

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Criado por Erika Galvão, 2024.

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