Mulher é uma palavra muito forte para eu me definir, então prefiro garota ou guria. Cresci com um imenso vazio e um buraco no peito, a última vez que fui feliz me faz repassar vários momentos e não encontro um único diazianho para dizer que eu estava tão feliz, que o buraco foi coberto e o coração bateu sem apanhar. A vida comigo é um estou bem, seguido de não estou mais e preciso seguir em frente com os remédios, que nem sempre funcionam como o esperado. A minha médica simplesmente não sabe como me deixar bem, parece que vim quebrada de fábrica e tentam usar cola vagabunda para me remendar. Me esquecer de tomar um dia já é um caos, já três dias me fez entrar em parafusos e quase enlouqueci dessa última vez, provavelmente vou morrer assim e nada me fará mudar. A temperatura do meu corpo completamente desajustada me deixa confusa sobre o que eu sinto até nisso, se estou com frio ou calor. O meu coração acelera, a minha visão fica distorcida sobre as pessoas, como se a minha visão estivesse com problema, todo mundo me parece assustador ou críticos sobre como estou e me comporto, me sinto idiota.
A minha sorte é não estar tudo lotado no centro da cidade e nem o ônibus em plena abstinência, me sentei na primeira poltrona do ônibus, conseguia ver o asfalto e não o coletivo. O Rivotril me acalmou, mas não normalizou a minha temperatura, o suor gelado me dava frio e calor, em partes é a abstinência, porém antes também era assim o gelo. Não consigo olhar cara a cara para as pessoas, nem a minha amiga que estava comigo, geralmente falo as coisas olhando para o nada para não conseguirem ver como estou de fato e os olhos são a porta da alma. Me sinto cercada de predadores e sou alvo fácil, não sei puxar papo, fico em outra dimensão fácil e não sou espontânea. É enlouquecedor suportar eu mesma, fico quebrada, cada vez que não estou medicada, eu fico de um jeito, sinto tristeza profunda, crises de choros, falta apetite e um sono descontrolado em extremos, ou costumo agir por impulso. O problema é a incerteza, todavia sinto um desejo enorme de emagrecer e sem eles a possibilidade é maior. Até os sons me incomodam, a minha cabeça dói e fica confusa, todos notam que não estou bem e é visível, a perturbação vem de todos os lados.
Me esforço tanto para suportar, que as minhas pernas perdem a força, a visão ficava completamente embaralhada e a minha mente vagava. O mundo é um lugar pior sem medicação, tudo parecia uma confusão, os olhos voltados para o chão, rezando para não encontrar conhecidos e tudo piorava quando eu olhava para todos. O Rivotril me acalmou, conseguia olhar, traçar um caminho, caminhar rápido sem distorcer a realidade e chegar mais rápido ao meu destino. Consegui fazer o trajeto rapidamente, depois as minhas pernas ficaram doloridas, para uma sedentária que não coloca o pé para fora de casa se possível e se necessário acelero o passo. Fiquei confusa, era o momento errado para sentir sono e esgotada por tudo o que passei naquele dia, o cansaço mental é o pior e por milagre aquele dia os meus pensamentos não estavam me atormentando. Uma paz momentânea, senti a necessidade desse tempo para poder respirar e não haver alguma possível alucinação pela minha cabeça estar cheia de pensamentos.
A Dipirona fez a minha cabeça não doer e o meu maior problema era a cistite, que me fazia correr para o banheiro e essa necessidade me acalmou os pensamentos aleatórios. O pior sempre pode piorar, a história da minha vida, posso ter esses sintomas ou algo do tipo, quando parei com bebida em janeiro, eu fui muito impulsiva nas minhas reações e senti uma tristeza profunda. Depois que tomei os remédios, me senti em paz e entrei em um coma, uma paz espiritual, nem o pé na bunda me afetou e só sentia uma leve tristeza pela nossa amizade, porém nada comparado com surtos alheios, talvez seja por não gostar tanto de assistir e estar me esforçando para progredir com a minha própria espécie. No restante, eu acho impressionante o efeito da medicação e o quanto a falta dela me afeta, não entendo como algumas pessoas sobrevivem a abstinência temporária ou param por vontade própria, entretanto não troco a minha paz por nada e pouco importa se sou uma viciada.
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