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Meus pedacinhos arrancados

Nunca imaginei que viveria na casa dos gatos, que os meus pais aceitariam mais de uma gata, imagina 4 gatas. Perdemos uma delas no começo de forma repentina e dolorosa, a Greyzinha sangrava pela boca e passou o último dia tendo convulsões, um dia antes disso, decidimos dar o remédio de vermes se caso fosse, eu fui a responsável, pensei que ela tinha tomado e depois que ela morreu encontrei ele, senti mais culpa e a Lilith estava com ela. Na semana passada, eu perdi a minha melhor amiga, que vivia pedindo colo ou simplesmente pulando, ela era cheia de vida e cuidadosa com todos, ela sempre surgia com manias estranhas, mas no final, ela sempre voltava a ficar comigo. Diversas vezes acordava com ela do meu peito, me olhando e piscava lentamente; simplesmente confiava e me amava. Quando meu irmão, minha mãe, meu pai ou eu adoecia, ela estava nos cuidando do jeito dela e não nos deixava sozinhos. Meus pais motivavam ela a ficar na rua e eu brigava por isso, a minha vó tinha tanto receio dessas discussões que um dia, ela pegou ela no colo quando ela fugiu entre o meio das pernas dela (ela detesta animais e diz que passa mal em tocar). Sinto falta dela todos os dias, a casa ficou tão vazia sem a Flora, parece que faz dois anos, mas faz só duas semanas, a terra parece mexida ainda e não tenho nem coragem de ir na horta, ainda choro por elas e está cheio de flores, até chegar as sementes para plantar flores, para elas gerarem vidas, igual a Greyzinha. A Flora morreu na quinta (07/03) e a Lilith no domingo (10/03), eu chorei tanto e fiquei com elas até o fim, em caixinhas forradas e com fraudas, improvisei um travesseiro com fronha dobrada, não ficaram com a cabeça baixa e se caso babarem era só tirar ou virar o travesseiro provisório.

Primeiro, começou a Flora, parou de comer, ficou estranha, ficava atirada nos cantos ao ponto de fazer xixi no lugar atirada. Era o começo do fim, minha mãe colocou ela em uma caixa forrada para ela se acomodar e não pegar uma pontada, deu antibiótico, no outro dia dei água na seringa e depois minha mãe deu um caldo. Minha mãe prendeu ela em um canto para não se esconder de novo, ela ficou tão fraca que não conseguia sair da caixa de papelão e nunca queria fazer xixi nela, ela ficava calma no nosso colo, mas parecia que no final sentia dor e tentava reagir para a vida. Ela fez xixi e vomitou no meu colo, não liguei, por ela ser o mais importante, sempre tentei manter ela limpa e um dia desses, eu limpei ela, levei ela na caixa para o lugar dela, a horta para pegar um sol e ela se conectar com o lugar. Eu percebi que era o final dela, eu levei para ela para se despedir, ela pegou um sol, tentava olhar e mexia as patinhas, eu conversei com ela e chorei, juro que ela parecia entender e sentir. Disse que ela podia ir se fosse o melhor para ela, mas pedi para ela por favor não me abandonar e berrei mesmo. Tomei um banho para tirar o vômito, improvisei uma cama no chão ao meu lado para ela ficar confortável e eu precisava virar ela seguido, cuidar o xixi dela, ela parecia confortável e dormimos por um tempinho. Quando acordei, fiz carinho nela, pensei que ela ia vomitar, entretanto era uma convulsão, ficou um fiozinho de vida, um batimento fraquinho, chorei tanto, porque aquele era o fim do fim, fiz carinho nela até ela morrer. Eu perdi a minha Florinha do nada, assim como ela apareceu com suas meninas, ela se foi para sempre e não tinha mais pulsação, meu amor descansou forçadamente e perdi o meu chão, dói tanto. Coloquei ela na caixinha de papelão, ajeitei como se ela estivesse dormindo e deixei ela visível o suficiente para eu ver ela pelos últimos minutos, enquanto eu chorava, e tentava acreditar que era só mais um canto que ela arrumou para dormir e queria sentir ela. Chorei tanto e tomei mais de 10 Rivotril, não queria morrer, eu só queria parar de sentir tanta dor e a casa nunca mais foi a mesma. Deveria ser mais um dia, eu dormia e acordava para ir a aula, mas não era só mais um dia, eu precisava dar outro "adeus", que eu não esperava e o sofá se tornou só meu, aqui estou eu sozinha ou com a Meg que ressurge por saber o tamanho da minha solidão e saudade. Não podia deixar ela sozinha e ela merecia atenção, a minha mãe se recusava a deixar ela com fome e no finalzinho, ela sabia que era tarde para ela e que o momento de partir estava próximo, perdi ela. A minha mãe enterrou ela enrolada na cobertinha dela apenas.

No outro dia, a Lilith parou de comer, já não estava querendo comer muito antes e a minha mãe deu antibiótico para tentar salvar ela, todavia era outro final. A Lilith tinha uma conexão imensa com a Amélia e pareciam irmãs gêmeas, parecidas e unidas, ela ficou em uma caixinha de papelão forrada e com fralda, ela fazia uma cena para não fazer xixi na caixa, ela também fez no meu colo, parecia sentir dor, também bebia e comia na seringa e ela ficava mais fraca. A Lilith morreu dentro da caixinha no meu colo, eu chorei tanto, mas também não abandonei e ela não queria ficar sozinha. O meu pai enterrou ela com a caixa e as coisinhas da caixa. A Lilith era a das três filhotes que mais tentava interagir comigo, eu dizia que ela era minha e era muito arteira, além de ser mais fácil de conseguir pegar por essa proximidade. Ela brincava com a varinha no chão, gatiava, era metida a caçadora e tinha sempre uma impressão de cara de cu, parecia sempre debochada e com olhar de desprezo. Adorava ela por isso, o nome era por causa de uma personagem de Supernatural, assim como a Meg e a Hannah. Pensei que seríamos grandes amigas, mas ela era arisca e tentava fugir do colo, era o jeito dela e aprendemos a respeitar, assim como a Amélia, porém a gente não aguentava ficar distante e ela vivia distante. Os pontos favoritos era a janela da frente, minha cama ou em cima do guarda roupa, na cama da minha vó, o banho de sol na cama delas ou em cima da lage fechada. Ela era mais na dela, não gostava de nada e muitas vezes peguei ela na minha cama quietinha e perdida, inclusive acordei com ela do meu lado, quase infartei no primeiro momento. Creio que por isso a partida dela seja um pouco menos doloroso do que a Flora que vivia com a gente na cara de pau, sinto que ela está em um canto aleatório da casa dormindo. A Flora morreu no dia do aniversário do Gabriel, não consegui ir a aula, assim como não consegui ir um dia antes por um cachorro ser atropelado na minha frente e entrei em choque. No domingo, a gente comemorou o aniversário do Gabriel e a Lilith morreu e fiquei dopada de novo, mais uma morte e isso nos consome.

A Amélia procurou por elas, está completamente perdida e sem entender o que aconteceu. Eu queria explicar para ela, está apavorada e distante de todos, a única sobrevivente do mesmo sangue, segue saudável e viva. Não temos condições de bancar um tratamento, nem eu me tenho condições de pagar o meu tratamento, a Flora, a minha mãe se recusou a levar ela por medo de ser câncer, além da gente não ter condições também, todavia foi a primeira vez que vi ela se impor e dizer repetidas vezes que não iria prolongar o sofrimento e nem teríamos condições de pagar, se caso houvesse essa hipótese de quimioterapia. Elas não eram mal cuidadas, elas tinham muito para viver e foram arrancadas da gente, jamais esquecerei delas, de nenhum deles e na minha horta existem vários pedacinhos de histórias para não serem esquecidas, todos os sorrisos, choros, altos e baixos, eles estiveram lá comigo, assim como estive com eles. Alguns até considerei dar uma morte digna com eutanásia para poupar de mais dor, mas não tinha condições, então fiz o que pude até o fim, cuidei deles e chorei por cada um deles, ainda choro e guardo cada um deles comigo. Procurei adotar outra gata, mas nenhuma delas são a Flora, procurei até duas, mas não vai ser a mesma coisa, eu sei, mas eu tenho medo de não ser a metade dela; amorosa, cuidadosa e presente. Quando o Rex morreu pensei que a Hannah e o Fantasma seriam a metade do que o Rex fazia, mas nunca chegou perto, até tentei acreditar em reencarnação por causa do Fantasma e não adiantou, e a ferida segue aberta. Provavelmente serão tantas feridas, que vou parecer uma leprosa, a chegada de cada um deles me fez superar as perdas, inclusive as futuras, que nem considerei por um minuto que chegaria o momento de dizer adeus e felizmente essa dor não apaga os bons momentos que vivemos. Espero reencontrar cada um deles, não preciso dizer nada e nem quero ser vista, eu só quero ter certeza de que eles estão em um lugar melhor, felizes, bem acomodados e vivendo no seu paraíso adequado, depois não ligo para onde eu vou, o motivo e o que eu fiz por merecer, pois vou ter paz e certeza de que todos estão na eternidade perfeita e merecida.

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Criado por Erika Galvão, 2024.

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