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Muitas exigências

Dizem que os relacionamentos de mulheres são reflexos da nossa relação paternal. Quando escuto isso, eu sempre paro e tento me lembrar de um resumo da minha infância em relação ao meu pai, daí me vem mais memórias ruins do que boas. Ele sempre foi muito rígido, no começo, nós sentiamos medo de apanhar. Ao longo do tempo esse medo passou, o meu irmão se acostumou e eu tentava manipular ao máximo a situação, se eu fosse apanhar, eu simplesmente começava a chorar e gritar antes mesmo dele encostar um dedo, então a surra era menor. Enquanto meu irmão tinha mania de aguentar ao máximo a surra, eu até tentei ensinar ele, mas ele não queria dar o braço a torcer e eu admirava a tolerância dele, porém nunca foi bom em usar a lógica. Quando íamos fazer o culto, o meu pai tinha o hábito de levar uma vara afiada para doer mais, segundo ele era para a gente ter reverência e se comportar. Isso me fez pegar mais nojo ainda da igreja, parecia que eu e o meu irmão éramos um erro e ele nunca tinha paciência conosco, ao contrário dos filhos dos outros e ele. Rezei por um bom tempo para ele se divorciar da minha mãe, me sentia tão mal por desejar isso do meu próprio pai e ao mesmo tempo, eu queria tanto não ser sufocada.

O meu pai trabalhava de domingo à sexta, ele é sabatista e era o único dia, que ele tinha para dividir entre a igreja e a família. Quando eu convidava ele para brincar, ele recusava e me convidava para assistir um pastor falando sobre o livro de Apocalipse, ainda dizia que o sábado não era dia de brincar e era o dia do senhor, poucas vezes ele brincava comigo, geralmente eu lembro da minha mãe brincando de restaurante e eu tinha que servir ela, eu só lembro de uma vez que ele brincou comigo e eu não sei porquê essa mudança repentina. Eu até tinha fé, na outra igreja (a reforma), a gente criou a mania de toda sexta-feira no pôr do sol pedir perdão um para o outro, eu não entendia realmente o significado daquilo e todo mundo se perdoava, então eu seguia a onda. Ele nunca ficava satisfeito com as minhas notas, meu comportamento, minha opinião e muitas vezes parecia que ele desaprovava até os meus pensamentos. Todos no colégio me parabenizavam e pensavam que eu era motivo de orgulho, todavia não para o meu pai, que sempre exigia um dez e quando eu tirava, ele simplesmente não ligava. Tudo que eu fazia não era o suficiente, ele usa Deus como desculpa, mas na verdade era ele e isso vai frustrando qualquer um. Quando eu era criança, fizemos um acordo de que todo domingo é o dia da maionese e refrigerante, porque eu amava e ele topou, mas depois de eu ser a amante número um por refrigerante, o segundo é o meu pai e ele comprava (até escondido da minha mãe), às vezes fora do dia e temos alguns gostos parecidos, ou extremamente opostos.

Às vezes, eu lembro dele me carregando na corcunda, existia dois pais, o pai em público e o pai sem um público. Tudo aparências, eu simplesmente perdi a fé na igreja, entretanto ainda tinha fé de que o meu pai fosse se tornar espontaneamente em alguém mais compreensivo e que fosse real, porque eu não sei o que era real nele. Cresci com muitas regras e punições, que hoje nem ele mesmo segue, eu não podia nem assistir televisão no sábado e atualmente ele assiste tudo, muita hipocrisia. As inúmeras exigências foram sendo esquecidas e algumas eram tão simples, como o quanto eu simplesmente desejava ser mais normal. No sábado , eu não podia estudar, nem participar de atividades extra curriculares, muitas vezes ninguém entendia, nem eu, porque éramos minoria e de que adiantou? Nada! Não fomos protegidos, foi um completo desastre, fomos sugados, desmerecidos e espero nunca mais pisar em uma igreja. A recordação que eu mais tenho do meu pai está fundida com a igreja, realmente espero que isso não interfira nas relações que eu tenho ou irei ter, para não acabar com alguém abusivo, que não me trate bem e nem alguém que me faça sentir que sou um erro. É melhor ficar sozinha então, pelo menos vou evitar decepções e aprecio a minha liberdade. O desespero nos torna presas fáceis, a carência nos faz aceitar esmolas, quando somos humilhados constantemente, chegamos em um ponto que passamos a acreditar, principalmente por pessoas que devem nos apoiar e defender. O meu irmão e o meu meio irmão costumavam me chamar de 'modelo de barrio', pelas outras pessoas me elogiarem e dizerem para eu ser modelo, devido a minha altura e peso principalmente.

Não acredito muito nessa filosofia e linha de raciocínio sobre relações e semelhanças, embora tenha acontecido tudo isso e a relação com o meu pai não seja uma das melhores, os meus relacionamentos nunca foram baseados em abusos, violência e nem fiquei presa. Claro que algumas coisas me afetaram psicologicamente, a minha autoestima, desacreditei no meu potencial tantas vezes, me sinto insuficiente e entre outras coisas, que eu não deveria ouvir nem por desconhecidos, imagina pelo próprio meu pai. Ele é incapaz de admitir qualquer coisa, pelo orgulho e arrogância dele, sentia tanta raiva que durante os castigos, eu pensava na minha futura vingança, afinal o jogo sempre acaba virando e é claro que a igreja sempre era a resposta, como se fosse o calcanhar de Aquiles dele. Se ele lesse esse texto, eu sei que ele diria que é coisa da cabeça e que nada disso é verdade, porém o que eu ganharia mentindo? Espero não herdar tanta arrogância e orgulho de uma única pessoa, que é incapaz de reconhecer as próprias falhas e nem o mérito dentro da sua família, é exaustivo eu ser questionada sempre e ser tratada igual louca. Grande parte dessas coisas me fizeram questionar sobre um suposto sonho universal com a maternidade, nunca desejei e não quis sonhar com algo assim. Como se eu pudesse ferir alguém que carreguei por 9 meses e joguei no mundo, sendo que existem tantas crianças precisando de um lar. Espero ser suficiente para ela, não cometer os mesmos erros que cometeram comigo e conseguir conciliar tudo, não é fácil e acredito que as relações de família interferem em vários aspectos da vida de quem vivência. Todavia busco alguém que me dê valor, paz, reconhecimento, boas intenções, e sentimentos bons e sinceros.

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Criado por Erika Galvão, 2024.

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