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O vento trás mudanças


Demorei para conseguir largar de lado a vergonha do meu corpo, por me sentir imunda e buscar defeitos nele. Me sinto desconfortável comigo mesmo, não deveria ser algo vergonhoso e nem desejar estar no padrão, como se existisse um e sou extrema quanto a isso de emagrecer principalmente, além das cicatrizes de infância, não havia algo bizarro para esconder e depois os cortes e queimaduras, que eram insignificantes para algumas relações e nem “minhas amigas” notavam. Não sei se vou ter coragem de usar roupas de verão nesse ano, talvez seja melhor ninguém ver as minhas pernas ou o restante por conta da alergia parece que sou uma leprosa ou que fui picada por algo indefinido. Ninguém acreditaria que sou psicossomática, buscariam um culpado com a polícia, enquanto minha mente está pregando uma peça e rindo da minha bagunça e caótica. A pandemia irá me poupar de ser obrigada a sair, alguns vão pensar que é catapora e outros até Covid-19, depois de todo bullying e rejeição, eu estava me tornando a mulher dos meus sonhos, que foi mudando e parei de ser a piada. O meu cabelo cacheado era fofo para uma criança, mesmo assim eu sonhava em ter cabelos lisos para ser mais fácil de manusear, poderia fazer penteados infantis, não ia parecer que não escovei, nem teria enredo ou uma completa juba, o que é admirável são as mulheres com cachos impecáveis.

Sempre achei lindo o cabelo ruivo, então resolvi arriscar como sempre e mesmo ouvindo que seria um erro, no entanto não me impediu de ir e fazer. Um dos meus apelidos era “Vanessa da Mata”, não tenho nada contra a cantora e o que me incomodava era a forma que eles diziam e riam. Atualmente pensei que tudo tinha mudado e na verdade era só mais uma fase, espero colocar um biquíni sem ouvir perguntas indiscretas sobre o meu corpo, ou simplesmente ser atraente sem parecer que estou doente. Parece que o universo só quer me mostrar que sempre dá para piorar, que não posso ser o tipo de pessoa que se apega em uma faísca pensando que ela trará a energia e na verdade só resultará em um curto circuito. Estou cansada de ouvir que devo pensar positivo, com a cabeça erguida e sorrindo, como se eu tivesse demência, enquanto isso eu preciso ficar alerta para evitar novas decepções, que me deixam em cacos, por ainda acreditar em mentiras e ser sempre uma muleta emocional para os outros. Sigo me arrastando sozinha com a minha cruz, aprendi a não contar com ninguém que apenas eu estarei lá, independente das promessas que escuto e já escutei que o feminismo é coisa para garotas feias e solitárias, porém acredito que é graças ao feminismo que podemos ter autonomia, algo que muitos homens jamais compreenderam ao longo da história e que vai além deles. O meu corpo é apenas MEU, então eu quero ser assim, magra por me fazer bem, pela minha saúde e jamais para agradar terceiros.

As minhas roupas sempre foram estranhas, não me contento com cores vivas ou cores variadas neutras de menininha, prefiro roupas pretas que sejam simples e transmitam o meu interior, que jamais será rosa por dentro e por fora, prefiro o azul que é a cor de 90% do planeta e imagine, quanto azul haveria no meio do oceano e o céu (eu não pagaria para ver), o rosa parece ser uma cor criada e pouco natural, com exceção das plantas que tem uma diversidade de cores incomparável, a cor que mais transborda do meu corpo é o vermelho. Não quero mais perder o meu sangue desnecessariamente, não consigo gostar dessa cor e não quero mais cicatrizes intencionais, que são de dos dois tipos: cicatrizes físicas e as cicatrizes da alma, ambas são dolorosas para quem sente. Quando eu era criança, acreditava que a dor me tornava mais forte, principalmente quando envolve o emocional e o torna mais resistente aparentemente e temporariamente, porém acabei misturando tudo e perdi o controle sobre o meu corpo e mente, que então começaram uma conspiração. Escolhi um caminho sem volta e que até fazia sentido na minha cabeça de criança. Vivo com medo até hoje, mesmo sem saber o real sentido dessa ferida, que nunca cicatrizará e sinto tantas dores, que isso se tornou algo normal e aguardada. Espero sobreviver com a minha dignidade e o necessário para ter independência. Felizmente graças ao vegetarianismo tenho rápida cicatrização e muitas nem ficaram como uma marca, pelo menos não irei precisar contar histórias e explicar os motivos das cicatrizes provocadas intencionalmente. Dependendo do futuro e da ciência as cicatrizes serão o que restou da minha depressão e ansiedade, pois todos serão curados.


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Criado por Erika Galvão, 2024.

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