
Quando eu era pequena, eu sentia a minha mãe sobrecarregada e um pouco triste por conta de coisas do dia a dia. Quanto mais eu sentia isso nela, eu me sentia na obrigação de fingir estar bem, fazer comentários idiotas, nem que seja para ela rir ou dar um sorriso. Nem sempre eu queria falar, nem ser engraçada e nem conversar sobre o que se passava, porém, sempre me senti responsável em amenizar o clima pesado. Embora houvessem tantas brigas de irmãos com o meu irmão caçula, eu me sentia na obrigação de livrar a cara dele, principalmente após ter feito ele ter levado a culpa por tantas coisas que eu fiz. Fui injusta com as outras pessoas e depois comigo, amadureci enquanto as outras crianças brincavam, e assumi as responsabilidades que nem os adultos faziam as responsabilidades deles. Me senti sobrecarregada com a minha tristeza, que parecia bobagem, todavia era mais que isso realmente e fui me afundando, segurando o choro e tentando minimizar. Até quando eu me machucava, a minha mãe ficava preocupada e eu fazia algum comentário sarcástico ou o meu humor ácido, tipo quando machuquei o pé e eu dizia
que parecia o Mazzaropi ou que estava meio aleijada.
Eu só não queria que eles sentissem o mesmo vazio que eu sempre senti, nem chorassem escondidos, nem sentissem vontade de desistir da vida e nem insuficientes. Sei que é impossível, era como querer colocar um oceano em um balde ou tentar colar com uma fita adesiva uma rachadura que segue se partindo, por estar fora do meu controle e cheguei em um ponto de completo desgaste. Não dá para salvar todo mundo, mas preciso me lembrar que antes de tudo preciso tentar me salvar, eu fui injusta comigo e sinto que o meu fracasso maior foi com aqueles que amo. O problema de assumir tantas responsabilidades é que deixei de lado as minhas, de brincar e me permitir errar. Os meus pais diziam que eu deveria ser responsável pelo meu irmão caçula e levei muito a sério esse pedido, daí tentei proteger ele de coisas que nem os meus pais poderiam e a culpa é da justiça que deixou impune alguém perigoso. Lutei a infância inteira para levantar o astral da casa, até eu ir ao fundo do poço, não conseguia nem falar e a minha resposta era sempre chorar para tudo. Comecei a transbordar de forma incontrolável, me iludi pensando que quanto mais doesse, menos eu sentiria com o tempo, todavia nem toda ferida cicatriza e certas quebraduras não se recuperam 100% infelizmente. Fiquei toda quebrada e amargurada, percebi isso muito tarde, então ainda pago por isso e essa dívida é grande. Magoei todo mundo, nunca tive aquele brilho, mas era intensa do meu jeito, sempre pulando, até eu crescer tanto ao ponto de dar de cabeça nas paredes e não sei como o meu vô aguentava passar por uma certa parede diariamente, obviamente não imaginou que os seus netos seriam gigantes também.
A minha vó sempre me jogou a responsabilidade pela morte do meu avô, carreguei esse peso junto com a responsabilidade de radiar duas vidas e precisei me esforçar. Era saltitante, tagarela, sorridente, fotogênica, bem humorada e parecia outra pessoa em certas coisas, ou melhor, eu fingia muitas coisas realmente. Ninguém na minha família acreditava em depressão, ansiedade e todos os transtornos mentais, eu fui a primeira a ser diagnosticada com depressão e ansiedade, de todas as pessoas, a que mais me doeu ver perdida com tudo o que estava acontecendo, foi a minha mãe e obviamente era difícil compreender ou até mesmo aceitar. Não conseguia mais ser aquela garotinha, eu desconfiava ter depressão, porém eu sabia que o diagnóstico não seria fácil, tudo aquilo que eu acreditava estar me tornando mais forte, na verdade, quase me matou por completo e a mudança nunca é fácil. A minha mãe queria a garotinha dela, mas aquela parte se foi e ela se adaptou com as minhas mudanças drásticas, inclusive aprendeu várias coisas com isso também. Me perdi tantas vezes, que pensei que nunca iria voltar, ainda mais após decair tanto e precisar de ajuda. Tudo o que eu fui nesses anos, me fez seguir muitos caminhos destintos, desde a religião até o tratamento psiquiátrico, assim me tornei uma pessoa madura, uma boa aprendiz, curiosa, me adaptei com as situações, surtei, adoeci e tentei contra a minha vida. Enfim, eu sobrevivi e mudei o pensamento de alguns, entretanto ainda preciso lidar com o preconceito pela burrice ou ignorância.
Comentarios