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Quadro

Na primeira série, eu tive muita dificuldade de aprender, poderia chamar até de um retardo de aprendizado, em comparação as outras crianças e isso me atrapalhava muito por serem coisas simples. A professora e a pedagoga viviam chamando a minha mãe na escola para falar sobre o meu comportamento atípico e as minhas notas. As minhas dificuldades eram diversas, fazer a forma do 'a', na minha primeira prova só acertei uma palavra por ter colado de um cartaz com ilustração (a palavra era uva) e uma das palavras que eu errei foi 'boi'. Era evidente que algo estava errado, as crianças tinham a maior facilidade de realizar essas tarefas básicas, além de eu não conseguir nem escrever o meu nome certo e eu escrevia de trás para frente às letras. A professora me explicou inúmeras vezes e tentava compreender o motivo dos meus erros, eu simplesmente não sabia por onde começar e praticava muitas vezes em casa, sem sucesso algum, a professora ficava preocupada por eu não ser como as outras crianças e me isolar completamente. As folhas que eu gastava eram muitas, foi quando a minha mãe resolveu comprar um quadro pequeno e giz. Foi assim que aprendi a escrever e fazer cálculos, depois de quase reprovar, o quadro se tornou parte da minha vida acadêmica.

Criei o hábito de acordar todos os dias de prova e estudar de manhã para a prova que era de tarde, obtive sucesso na grande maioria das provas que fiz e foi graças a ele. Alguns dos meus colegas perguntavam como eu conseguia ir razoavelmente nas provas, eu dizia que praticava em um quadro e eles faziam piadas que eu era rica por ter um, sendo que na verdade a minha mãe comprou e parcelou ele para eu não perder um ano da minha vida. Usei ele várias vezes, inclusive quando eu estava nas séries mais avançadas, quanto mais eu escrevia, mas eu memorizava facilmente e claro que o quadro não fazia milagres em algumas questões. A minha mudança repentina, não foi tão repentina, eu me dediquei muito e as pessoas me chamavam de inteligente, eu sempre odiei essa definição, por parecer que nasci com uma habilidade que facilitava a minha vida e que isso me tornava diferente. Minha dedicação me fez superar várias dificuldades que tive, e escrever inúmeras vezes e reler me ajudou a memorizar, coisas que eram necessárias e não tinha como aprende-las de outra forma, uma aluna mediana. Nas séries mais avançadas, ainda assim eu ressuscitava o velho quadro de giz. Todas ou quase todas disciplinas passaram pelo meu quadro, embora ele tenha me ajudado a memorizar as provas. O meu maior aprendizado foi a ler e escrever, já que eu tinha uma enorme dificuldade e muitas vezes pensei que jamais conseguiria aprender aquele conteúdo, depois foi para as provas que eu estudei e até brinquei de professora com ele. Enquanto os meus colegas conseguiam aprender com facilidade o básico do básico, eu me sentia tão burra e incapaz de avançar, que pensei que ia fracassar e jamais sairia daquela série, e isso me causava um desespero total, visto que aquilo era importante para mim, além do desorgulho que causaria nas pessoas que eu amo.

Depois que me formei, alguns anos adiante, precisei tomar uma decisão e essa era para uma criança que também precisava tanto quanto eu precisei no passado, ele também tinha dislexia e outros problemas psicológicos. A professora dele comentou sobre o quadro ajudar ele a escrever, por algum motivo ele tinha menos dificuldade com o quadro, ao contrário do caderno e recomendou para a mãe dele, que não tinha muitas condições e eu realmente gostava dela (no sentido de amizade), ela não era perfeita e tinha seus vícios. O quadro não foi barato para os meus pais, todavia foi necessário na minha vida e ultimamente ele havia ficado em uma peça largado. Eu como uma boa colecionadora e apegada sentimentalmente pelas minhas coisas, mesmo sem usar, precisei tomar uma decisão e acredito que foi a decisão certa, a gente acabou perdendo o contato. Espero que o quadro tenha ajudado ele tanto quanto me ajudou e que ele tenha conseguido alcançar os outros na escola, após praticar até superar seu atraso. Foi uma decisão diferente das normais com as minhas coisas e o destino delas, visto que armazeno muitos brinquedos meus. Não consigo me desfazer pela recordação e por como ganhei, inclusive eu tinha dificuldade de me desfazer de brinquedos quebrados. Dar o meu quadro foi por conhecer ele e o quanto é difícil ser a criança que não consegui acompanhar, talvez tenha sido por empatia ou por conhecer a condição dele. Além dele ser uma boa criança, especialmente por haver algumas semelhanças em certas coisas, tanto no aprendizado, quanto na socialização. Espero que ele esteja bem e que o quadro tenha ajudado ele tanto quanto me ajudou.

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Criado por Erika Galvão, 2024.

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