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Desde que o padrasto da minha mãe descobriu o tumor no cérebro foi mudando, se tornou uma boa relógio para todos e muitos de nós sofremos antecipadamente. O médico deu um ano de vida com qualidade após a cirurgia e as rádios, felizmente ele passou desse prazo e vivenciou muitas coisas, como mudança de casa, lanches diferenciados, se tornou mais presente em nossas vidas, se mudou juntamente com a minha avó para mais perto de nós, ao longo desse tempo ele regrediu bastante em certas coisas, mas era culpa do tumor, ele conseguia fazer a fisioterapia normal até, exceto alguns movimentos e só tinha bastante dificuldade para querer sair. Ele começou a falar coisa sem sentido mais frequente, ele necessitava da minha avó para tomar banho, inclusive para comer, perdeu parte da visão, ficou um pouco surdo e com o passar do tempo a dependência foi aumentando mais ainda com a minha avó. Ela tinha noção da responsabilidade e ele tinha noção do quanto necessitava dela na vida dele.
Uma noite antes de tudo mudar, ele queria ir junto com a minha mãe em um aniversário que ela foi convidada e infelizmente ela não poderia levar eles. Ele ficou aborrecido, porém logo passou quando ela resolveu encomendar dois lanches para eles, eu até mencionei que iria comer uma pizza, se caso eles encomendassem, todavia como a minha mãe havia combinado com eles sobre o lanche, acabou ficando por isso mesmo e eu não sabia que aquela seria a última noite que viríamos ele o mais próximo da sanidade possível na situação dele. No dia seguinte, ele se acordou se sentindo mal e a minha avó levantou para ajudar ele, porque ele não conseguia se levantar sozinho do chão, não conseguia nem enxergar, sujou a própria roupa e tudo isso com ela sozinha, porque ela nunca aceitou uma cuidadora para ajudar ela. Ainda jeitou ele, para buscar ajuda com a minha mãe, quando era umas 7 horas da manhã e a minha mãe chamou a ambulância, todos pensamos que era algo causado pelo tumor, porém era mais do que isso e ele mudou completamente.
Aquele foi o final de um ciclo, não por conta da morte, apenas uma mudança drástica no nosso percurso e aquela era a última vez que ele ficava no casa dele, depois ele foi para o hospital e atualmente mora com a filha, que ele não era muito apegado e todos os filhos precisaram superar todas as negligências e feridas causadas pelo próprio pai egoísta. O velho tio Jaka sofreu um AVC, que é sem volta, que afetou todo o cérebro de forma irreversível, justamente ele que dizia que não queria sofrer e morrer rapidamente, no entanto não foi assim que a vida o "presentou", a minha avó ainda fica bastante emocionada por tudo o que ocorreu, por ela ter perdido ele de certa forma, ficou sozinha na casa nova, sem ter que cuidar dele e é evidente qualquer vestígio de sentimento que ela sente por ele. Eu mesmo chorei tanto quando descobri o tumor, que recentemente isso não tem me abalado tanto quanto eu imaginava e sinceramente hoje aguardo o pior. A minha vó ainda tem esperança, que ele vai voltar, no primeiro mês ela viveu como se já estivesse sendo uma viúva, sem se cuidar tanto e foi até ela perceber que ela não era uma viúva novamente e que ela precisa ser forte. Eu digo para ela, que ele não gostaria de ver ela abatida e entregue por tudo o que ocorreu, daí ela diz que tem a mente em paz, por não ter dado as costas para ele.
Ele não consegue nem comer sozinho ou direito, precisa de sonda, precisa de abscesso ou fralda, ele deveria ficar deitado, amarrado e sendo monitorado por alguma cuidadora responsável, se fosse necessário chamar ajuda, ela fosse capaz de entrar em contato diretamente com eles ou as filhas. Sinceramente não acho que isso seja vida, não saber quem é, não lembrar da gente, falar coisas sem nexos, ser acompanhado sempre, eu amo muito ele. Provavelmente é o mais próximo que terei de um vô, que eu nunca tive ao longo da minha vida por conta da morte (um deles já foi tarde, pois era um monstro). Vivemos momentos marcantes, ele nos fez rir muitas vezes, era bêbado afrontoso com a minha vó, nunca bateu nela, aprontavam mais do que eu, nos mimava, mesa farta, levava a gente de trator para a praia ou Chevette e nós pareciamos sermos parentes de sangue, portanto desejo o melhor para ele, mesmo que não seja o melhor para a gente e para aqueles que ficam, ele estaria melhor descansando. Agora que as filhas estão tendo a oportunidade de conhecer o pai realmente, mesmo com ele não estando 100% e alguns filhos não conseguem superar. Desde então ele mudou completamente, pensamos que ele ficaria no hospital até o fim dele, mas ele recebeu alta em meio ao vai e volta. O nosso final de ano não vai ser tão engraçado, vai sobrar um lugar, a minha vó vai ter menos uma pessoa para brigar, nem vai precisar servir cedo, nem fazer uma comida especial para ele, nem exigências, muita comida mesmo e nem roubo de salgados.
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